Como será fácil constatar, a passagem de "pertença" a uma comunidade, para "identidade" concedida por legislação, é o inicio da separação orgânica entre território e povo, uma ruptura psicológica com consequências desiquilibrantes no projecto de "nação".
Como tentativa de suturação da "brecha" aberta, alguns lançaram o conceito de "pátria" (do latim "pater"), um sentimento de "pertença", não já à comunidade, mas sim a uma "construção" por então edificada e que se intitulava "país", ou seja, um povo e um território subordinados a um "estado", a uma organização política (do grego "polis", cidade politicamente organizada).
É com base neste conceito que (como atrás mencionamos) se relança no inicio do século XIX o conceito de "jus sanguinis".
Porém, como "identidade" e não já como "pertença".
Soberania
A noção de soberania, já aflorada no Império Romano e no Sacro Império carolíngio, era uma concepção religiosa reservada à, ou às divindades, que delegavam competência nos soberanos (imperadores, reis, papas…).
A Tanakh (Antigo Testamento da Biblia cristã) é peremptória quando transmite as palavras da divindade:
"É através de mim que reinam as leis" (Livro da Sabedoria").
A famosa afirmação (apócrifa) de Luis XIV "l'Etat c'est moi", é uma consequência lógica dessa noção de soberania.
Mas, subtilmente, os revoltosos franceses de 1789, pelo art. 3º da sua Declaração, afirmam que "…o principio da soberania reside essencialmente na "nação". Declaram que a titularidade da "soberania" está na "nação" e/ou no "povo", utilizando indiferentemente os termos "nação" e "povo" nas primeiras "constituições" elaboradas nesse conturbado período.
Depois de reduzirem a "pertença" "jus sanguinis" a uma "identidade" "jus soli", confundem os conceitos de "nação" e "povo" para, demagogicamente, potenciarem a noção de "pais", prevertendo assim o principio "território + povo = nação".
A falácia levou a que fossem consideradas "nações" alguns agrupamentos sem território, religiosos (judeus) ou etnias parasitarias (ciganos), e que a alguma dessas "diásporas" lhe fosse entregue um território…
nota :
"diaspora" é um termo grego que significa "dispersão" ("dia" + "spore").
O actual conceito politico-religioso é uma extensão interpretativa.
Povo e População
Entender o povo como população, como multidão que se caracteriza pelo número, subsistindo unicamente como agregado de singularidades, tem sido uma das facetas mais caracteristicas de qualquer oligarca, do mais tirano ao mais demagogo.
O "povo" ("demos" em grego), assumido como "multidão" ("plethos" em grego), é um agregado contingente cujo poder político se reduz a um momento ("circunstância") e tem o valor da quantidade que a constitui, sendo a sua indiferenciação interna uma das principais caracteristicas que transforma os individuos em unidades numéricas. A demagogia é, na sua essência, uma retórica sofistica aproveitadora dessa realidade.
As políticas ditas "simplex" (lat.), são especialmente dirigidas à população "simples", constituida por individuos "inocentes", "incultos" e "idiotas". Os gregos (precursores da "arte política"), por oposição ao "demos", e distinguido-o do "plethos", denominavam esses conjuntos de individuos como "laos", massa desorganizada e torpe, pronta a delegar o seu poder (a sua soberania) na assembleia política que lho sugira. E, quando temos a assembleia ("eklesia") a dirigir politicamente os "simplex" ("laos"), isso denomina-se "laos kracia", por extensão "demos kracia". A demagogia fará o resto !
Partição
O denominado "discurso identitário" que tão útil se tem revelado no despertar da consciência política de muitos europeus, é na realidade um "discurso de pertença" ("discours d'appartenance", em francês).
É imprescindível retomarmos consciência de que "pertencemos" a uma comunidade étnica e cultural, de que "somos" essa comunidade.
"Nação" sem "povo" é território, e "povo" sem território é "população" !
A "pertença" é bi-unívoca, solidária e inclusiva.
Porém, sejamos conscientes de que deve haver proporcionalidade entre as potencialidades criadora do individuo e unificadora da colectividade, e a variabilidade dos elementos que proporcionam a sua síntese.
O modelo comunitário permanece vivo tanto tempo quanto o poder unificador saiba manter-se estável perante a diversidade, mantendo-se coerente na absorção de novidades. O excesso de diversidade é tão pernicioso ao conjunto, quanto o é o marasmo institucionalizado.
Essa estabilidade consegue-se pela "equidade participativa", tanto no que respeita ao posicionamento perante as leis (isonomia) como ante o poder executivo (isocracia).
Concluindo
Uma "Nação" é, pois, uma grande solidariedade"
Ernest Renan (1823-1892) in "Qu'est-ce qu'une nation ?"
---
António Lugano in "Cadernos para reflexão" (textos não editados)
* já publicado pelo autor in "Terceira Via", em 27/12/2006
Como tentativa de suturação da "brecha" aberta, alguns lançaram o conceito de "pátria" (do latim "pater"), um sentimento de "pertença", não já à comunidade, mas sim a uma "construção" por então edificada e que se intitulava "país", ou seja, um povo e um território subordinados a um "estado", a uma organização política (do grego "polis", cidade politicamente organizada).
É com base neste conceito que (como atrás mencionamos) se relança no inicio do século XIX o conceito de "jus sanguinis".
Porém, como "identidade" e não já como "pertença".
Soberania
A noção de soberania, já aflorada no Império Romano e no Sacro Império carolíngio, era uma concepção religiosa reservada à, ou às divindades, que delegavam competência nos soberanos (imperadores, reis, papas…).
A Tanakh (Antigo Testamento da Biblia cristã) é peremptória quando transmite as palavras da divindade:
"É através de mim que reinam as leis" (Livro da Sabedoria").
A famosa afirmação (apócrifa) de Luis XIV "l'Etat c'est moi", é uma consequência lógica dessa noção de soberania.
Mas, subtilmente, os revoltosos franceses de 1789, pelo art. 3º da sua Declaração, afirmam que "…o principio da soberania reside essencialmente na "nação". Declaram que a titularidade da "soberania" está na "nação" e/ou no "povo", utilizando indiferentemente os termos "nação" e "povo" nas primeiras "constituições" elaboradas nesse conturbado período.
Depois de reduzirem a "pertença" "jus sanguinis" a uma "identidade" "jus soli", confundem os conceitos de "nação" e "povo" para, demagogicamente, potenciarem a noção de "pais", prevertendo assim o principio "território + povo = nação".
A falácia levou a que fossem consideradas "nações" alguns agrupamentos sem território, religiosos (judeus) ou etnias parasitarias (ciganos), e que a alguma dessas "diásporas" lhe fosse entregue um território…
nota :
"diaspora" é um termo grego que significa "dispersão" ("dia" + "spore").
O actual conceito politico-religioso é uma extensão interpretativa.
Povo e População
Entender o povo como população, como multidão que se caracteriza pelo número, subsistindo unicamente como agregado de singularidades, tem sido uma das facetas mais caracteristicas de qualquer oligarca, do mais tirano ao mais demagogo.
O "povo" ("demos" em grego), assumido como "multidão" ("plethos" em grego), é um agregado contingente cujo poder político se reduz a um momento ("circunstância") e tem o valor da quantidade que a constitui, sendo a sua indiferenciação interna uma das principais caracteristicas que transforma os individuos em unidades numéricas. A demagogia é, na sua essência, uma retórica sofistica aproveitadora dessa realidade.
As políticas ditas "simplex" (lat.), são especialmente dirigidas à população "simples", constituida por individuos "inocentes", "incultos" e "idiotas". Os gregos (precursores da "arte política"), por oposição ao "demos", e distinguido-o do "plethos", denominavam esses conjuntos de individuos como "laos", massa desorganizada e torpe, pronta a delegar o seu poder (a sua soberania) na assembleia política que lho sugira. E, quando temos a assembleia ("eklesia") a dirigir politicamente os "simplex" ("laos"), isso denomina-se "laos kracia", por extensão "demos kracia". A demagogia fará o resto !
Partição
O denominado "discurso identitário" que tão útil se tem revelado no despertar da consciência política de muitos europeus, é na realidade um "discurso de pertença" ("discours d'appartenance", em francês).
É imprescindível retomarmos consciência de que "pertencemos" a uma comunidade étnica e cultural, de que "somos" essa comunidade.
"Nação" sem "povo" é território, e "povo" sem território é "população" !
A "pertença" é bi-unívoca, solidária e inclusiva.
Porém, sejamos conscientes de que deve haver proporcionalidade entre as potencialidades criadora do individuo e unificadora da colectividade, e a variabilidade dos elementos que proporcionam a sua síntese.
O modelo comunitário permanece vivo tanto tempo quanto o poder unificador saiba manter-se estável perante a diversidade, mantendo-se coerente na absorção de novidades. O excesso de diversidade é tão pernicioso ao conjunto, quanto o é o marasmo institucionalizado.
Essa estabilidade consegue-se pela "equidade participativa", tanto no que respeita ao posicionamento perante as leis (isonomia) como ante o poder executivo (isocracia).
Concluindo
Uma "Nação" é, pois, uma grande solidariedade"
Ernest Renan (1823-1892) in "Qu'est-ce qu'une nation ?"
---
António Lugano in "Cadernos para reflexão" (textos não editados)
* já publicado pelo autor in "Terceira Via", em 27/12/2006
Sem comentários:
Enviar um comentário