segunda-feira, 18 de junho de 2007

Sistema Oligárquico e Regime Democrático ! ( I )



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prolegomena…
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A consciencialisação de que vivemos mentalmente envoltos numa névoa crepuscular, pontuada por fotóforos que pretendem orientar o nosso pensamento para processos crédulos e automatizados, é um acto mental que, simultâneamente, provoca um reflexo de rebelião fundamentado no ressentimento de que somos objecto de uma manipulação psicológica, proveniente do contexto politico em que nos encontramos imersos.

Se a tragédia grega, pelo medo e a piedade representados em cena, provocava a catarse ("kátharsis") como purificação capaz de gerar uma reacção perante o infortúnio, também a consciência da manipulação exercida pelo "sistema politico", através dos meios de comunicação (controlo subjectivo) e das instituições (controlo objectivo), utilizados como câmaras de eco repetindo à saciedade que vivemos num "jardim de Éden", no "nec plus ultra" das convivências possiveis, deve gerar em nós uma purga intelectual capaz de causar as necessárias defesas perante a sistemática agressão a que somos submetidos.

No contexto de um sistema politico oligárquico, essencialmente organizado para fazer-se perdurar, o regime dito "democrático" estruturou um Estado cada vez mais intocável, mais dogmático (verdadeira "teo-democracia"), manipulador do individuo-eleitor através de tecnologias sofisticadas, transmitidas por demagogos profissionais organizados em grupos de interesse denominados "partidos políticos".

O "regime democrático", como estrutura ideológica do "sistema oligárquico", é absolutamente intolerante quanto à critica dos objectivos que persegue, afirmando-se como "solução intocável" e impondo-se como "finalidade sagrada".
Demagogicamente apresenta uma falaciosa hipótese de alternativa, através de um ciclo eleitoral em que a escolha está sempre dependente de uma prévia selecção elaborada pelo próprio sistema.

A pretensa igualdade perante a lei, camufla a redondância legislativa produzida pelos detentores do poder, objectivamente conciliante com o propósito de enriquecimento da oligarquia dominante e da sua afirmação de perenidade !

Na Antiguidade, as comunidades etno-culturais produziam o necessário para satisfazer as suas necessidades, e os ocasionais intercâmbios entre elas baseavam-se na troca de produtos sem objectivo de lucro. Imperava o principio de convivência numa perspectiva de continuidade e reprodução.
Posteriormente, com a hierarquização de funções (sacerdotal, guerreira e produtiva) surge uma organização encarregue de supervisar as acções e o relacionamento entre os membros dessa trifuncionalidade, ou tripartição de funções. Tinha nascido o que poderiamos denominar como "proto-Estado", um "braço" executivo orientado à defesa da comunidade e à vigilância do cumprimento de tradições e costumes, dependente de um monarca (de um rei-filósofo no dizer de Platão).
Na Idade Média ainda era evidente a divisão social entre "oratores" (os que oram - clero), "bellatores" (os que combatem - nobreza) e "laboratores" (os que produzem - artesãos e agricultores).

Com o desenvolvimento das guerras, já não simples "incursões rápidas" de saqueio ou vingança, mas actos estratégicos para conseguir matérias-primas e mercados, passou o objectivo prioritário do Estado a ser o seu próprio enriquecimento (daqueles que o constituem) em prejuizo e perda do relacionamento comunitário que caracterizava os agrupamentos étnicos e culturais. Os frutos do labor produtivo transmutam-se em mercadorias e a economia (do gr. "oikonomia", de "oikos" - casa, familia - e "nome" - gestão) assume a forma preversa de crematística (do gr. "khrema", riqueza; acumulação de riqueza). A usura cria dinheiro a partir de dinheiro, nada produzindo !
Aristóteles trata a crematística como um conjunto de astúcias e estratégias para obter riquezas destinadas a facilitar o crescimento do poder político que vai gerar novas riquezas.

Os "sistemas políticos" (monarquias, tiranias, oligarquias…) vão-se sucedendo, impondo "regimes políticos" variados, mas todos eles objectivamente orientados ao enriquecimento dos grupos dirigentes, utilizando de forma mais ou menos demagógica os povos e as populações para alcançar os seus objectivos. Propósito que se mantém na actualidade !

Tenhamos presente que (desde finais do século XX), em cada ano e a nível mundial, o valor financeiro transaccionado é muito superior ao volume de negócios comerciais realizados.
Se analisarmos as contas das "instituições de usura" (vulgarmente apelidadas "bancos"), verificaremos que é materialmente impossível, com as despesas e custos funcionais apresentados, gerar tão fabulosos ganhos somente com as comissões cobradas aos clientes.
Se fosse divulgado que os "bancos" estão autorizados a somente reter 20% do capital nele depositado (remunerado de 2% a 20%, conforme o "peso" do cliente) e que o restante é aplicado em mercados financeiros que geram lucros anuais fabulosamente elevados, talvez o imbróglio político-financeiro fosse melhor entendido. Mas, isso é outra história…

As grandes empresas transcontinentais geram lucros fabulosos, não pela venda dos produtos que fabricam, mas pelas aplicações nos citados mercados financeiros que geram uma massa monetária virtual (dinheiro electrónico) sem qualquer suporte real.
Nessas empresas, a produção industrial tem, essencialmente, duas finalidades:
- pelo salário, permitir aos individuos um acesso fácil à alimentação e ao bem-estar material ;
- pela produção, abastecer o mercado e manter o individuo integrado num ciclo de trabalho especializado e alienante ;

O sector comercial permite um consumismo compulsivo gerado pelas "modas" criadoras de falsas necessidades, enquanto o sector serviços gestiona toda uma complexa burocracia essencialmente dirigida a aprovisionar os cofres do Estado.
Os meios de comunicação actuam como sensores da opinião pública, difusores das "modas" e divulgadores da "propaganda" política do regime.

Toda esta panóplia de acumulação de riquezas e de consequente subordinação do individuo aos circuitos estruturados pelo "sistema político", transformando-o num "servo voluntário", agradecido pelo "panem" e distraido pelo "circenses", intelectualmente especializado e culturalmente alienado, foi originalmente "testado" (com os parcos meios da época) no governo da "demokratia" ateniense, cerca do século V da Era Precedente (EP).
A própria denominação de "demokratia" (do gr. "demos", povo e "kratos", poder), o "poder do povo" é já, por si mesmo, um "chef d'oeuvre" da mais grosseira demagogia. Como se a aristocracia no poder, o fosse entregar, de mão beijada, aos individuos menos preparados para o exercer…

A manobra política da aristocracia foi inteligente, mas não resultou ! Ao discurso demagógico faltavam técnicas psicológicas ainda desconhecidas.
Porém, a "experiência" não caiu em "saco roto" e, gradualmente foi sendo adaptada às circunstâncias de cada época, tendo atingido no presente um grau de perversidade nunca igualado, principalmente devido à aplicação de novas tecnologías e do desenvolvimento de sofisticados processos de manipulação da mente ("mind control").

A democracia é um produto histórico que provocou o rompimento da comunidade original, transmutando as qualidades humanas do individuo em vicios egoístas, e a administração do "oikos" (casa, familia, e por extensão a "polis") em usura e acumulação de bens ("hybris").
A democracia, como forma de governo do regime oligárquico que padecemos, é uma imensa falácia suscitadora de um utópico "poder de decidir" através de um "ciclo de selecção" (eleições) que, demagógicamente, produz a ilusão de "livre-arbítrio" ("libero arbitrio") quando, na realidade, mais não é que um processo determinista na nomeação de uma "mínima escolha" imposta pelo próprio regime que, obviamente, interdita qualquer veleidade que sugira a sua substituição.

A democracia tem como objectivo transcendente a preservação do regime oligárquico que a suporta, e o seu incontrolado enriquecimento.
O individuo, embevecido pela hipótese de votar, não é mais que um meio para consecução de designios que o excedem.

3 comentários:

Anónimo disse...

Gostei bastante, podemos dizer que esta primeira parte é um diagnóstico, e concordo com o que é dito. O tema é bastante difícil e tenho muita curiosidade em relação aos próximos capítulos.

Anónimo disse...

Uma maravilha, o que está escrito e como está escrito. Uma análise absolutamente perfeita e concludente da situação política, dos políticos, desta espécie de democracia, enfim.
Muitos parabéns pelo primeiro tomo desta série. Já li o segundo, mais acima, que considero igualmente brilhante.
Venham mais - e eu acrescentaria, muitos mais com esta superior qualidade, o que é previsível partindo de quem escreveu estes - como diz o Rodrigo.

Maria

António Lugano disse...

Maria
Prezada senhora, as suas palavras de apreço quase me fazem roburescer...
Será que as mereço?
Permita-me dedicar-lhe uma cordial saudação.
António Lugano