sábado, 26 de maio de 2007

Sapientia est Potencia. (1/2)



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* os homens crêem
no que querem crer

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I

O que distingue o Homem dos outros viventes do "reino animal", não é a força, a velocidade ou o tamanho mas sim a capacidade de raciocínio do seu cérebro, a interpretação dos factos, a imaginação ou as emoções.
O filósofo grego Aristóteles designava o Homem como "animal racional" ("zoon logikon") e o cristão Gregório de Nazianzo, o Teólogo (c. 329- 390 EA) denominava-o "animal divino" ("zoôn theoumenon").
Duas perspectivas que, embora fundamentadas em conceitos contraditórios (racional vs divino), visam distinguir, engrandecendo-o, o animal-Homem relativamente aos outros animais.

Se em certas culturas (e.g. no hinduismo) se manifesta uma acentuada sensibilidade ao sofrimento dos animais, acercando-os aos humanos e protegendo-os, entre nós a diferença entre o humano e o animal é acentuada através da ausência, nos animais, de manifestações intelectuais (racionais) que são implícitas nos humanos : razão, história, linguagem, consciência, etc.
O enciclopedista Georges Leroy, nas "Lettres sur les animaux" (1781), critica o "instinto" como modo de pensamento reservado aos animais, noção publicada pela "Encyclopédie de Diderot et d'Alembert" (1751-1772) e que, a nivel da teoria do conhecimento, foi assumida como uma figura contrária à razão : o animal tinha instinto porque não tinha razão.
"A contrario" depreendia-se que se o Homem tinha razão… não tinha instinto.
O animal confundia-se com a espécie a que pertence, pelo elementar e invariante que é o instinto, gerador de processos repetitivos, enquanto a razão humana não cessava de produzir diferenças.
Porém, o biólogo Konrad Lorenz (1903-1989), afirma que certos instintos do animal (instintos ditos secundários) são produto de processos complexos, e deplora que no Homem exista uma vontade de os excluir, o que lhe origina uma constante inadaptação. Para Lorenz, um dos "oito pecados" da cultura europeia é de ter desenvolvido uma indeterminação do instinto, que afecta principalmente o comportamento dos jovens que, em vez de confiarem nos instintos, actuam por cópia de "modelos societários" propaladas pelos meios de propaganda do sistema politico em vigor.

Com efeito, tanto o cristianismo com o "homem portador-de-alma" ("homem divino"), como os enciclopedistas com o "homem superador do instinto" ("homem razão"), enfrentando-os ao animal "simplesmente instinto", afastaram-se do conceito de Aristóteles ("animal racional") e, por divagação transcendente ou por racionalidade inconsequente, despojaram conceptualmente o Homem dos seus "instintos" de animal, hoje entendidos como comportamentos inatos de qualquer animal, incluindo o Homem.
Os instintos, de qualquer animal, são esquemas metabólicos recorrentes com a dupla função de conservação (preservação da vida) e reprodução.

Considera o Prof. António Damásio, norte-americano de origem portuguesa, chefe do departamento de neurologia do Colégio de Medicina da Universidade de Iowa (EUA), que a razão do aparecimento do cérebro nos seres vivos mais elementares, teve como causa a necessidade de assegurar a sobrevivência do corpo.
Em seguida, o cérebro elaborou em si mesmo processos de representação do corpo para ter em consideração o seu estado e desenvolveu, num contexto de sobrevivência, um conjunto de estados mentais (emoções) originados nas modificações produzidas no corpo pelo mundo exterior. A função das emoções será a de nos tornar sensíveis ao meio em que vivemos, e podermos incluir-nos nele.
O Homem manifesta emoções, reacções naturais que lhe permitem, directa ou indirectamente, preservar o seu corpo e assegurar o equilibrio interno. Face a uma ameaça, vai sentir medo, e antes que se imobilize, fuja ou ataque, vão-se produzir modificações no seu organismo, relacionadas com o fluxo sanguíneo e a segregação de hormonas. É esta série de reacções, visivéis ou não, que constituem o que designamos por "emoção", um estado afectivo intenso, caracterizado por uma brusca perturbação física e mental, iniciadora de uma modelação inadequada de reacções (euforia, depressão, insensibilidade ou indiferença), podendo afectar (secundariamente) certas funções cognitivas.
Perante uma determinada situação, por exemplo "de perigo", o instinto "metaboliza" sistemas orgânicos que provocam um estado emocional e a consequente consciencialização do perigo.
Resumidamente, a emoção é um fenómeno mental traduzido numa expressão somática originada pelo instinto.

II

É de grande importância para compreender o desenvolvimento dos processos de raciocínio, conhecer a influência do instinto humano na inicialização das emoções e na consciencialização das percepções que originaram a activação desse instinto.
Na actualidade, o sistema político-religioso envolvente (o "politicamente correcto") utiliza frequentemente "casos de figura" capazes de iniciar um processo emocional que será "registado" (consciencializado), provocando "pseudo-saberes adquiridos", e posteriores comportamentos assumidos como "vontade própria", e que na realidade são produto de "técnicas de manipulação da mente" ("mind control").

Perante situações obviamente falsas, as técnicas de manipulação conduzem o raciocínio dos implicados a conclusões aberrantes, em contraste manifesto com a realidade.
O caso paradigmático habitualmente citado como exemplo de "mind control" concerna o relato do choque de um hipotético avião Boeing 757-200 contra o edificio do Pentágono, em 11/09/2001, e que, apesar de ter 47,32 m de comprimento e 13,6 m de altura, de ter 100 toneladas de peso e de transportar 53 passageiros e 9 tripulantes, não é visível nas fotografias realizadas à chegada dos bombeiros, e nas quais igualmente se pode constatar que a fachada, contra a qual se teria volatilizado o avião (essa é a explicação oficial), permanece ainda erguida, derrubando-se cerca de 30 min mais tarde.
No entanto, ainda hoje, muitos dos que foram submetidos à mencionada manipulação (essencialmente televisiva) continuam a duvidar da sua capacidade de raciocínio e rendem-se às conclusões que lhes são apresentadas, coincindentes com a consciencialização que fizeram no momento do "acontecimento".

Hoje em dia qualquer Estado tem os seus técnicos de "mind control" cujos serviços já não são utilizados exclusivamente em campanhas eleitorais, mas sim durante todo o tempo.
Desde os compêndios escolares às séries televisivas, tudo é tratado com técnicas publicitárias, incluindo imagens e sons subliminares, espectáculos (desportivos e outros) que desviam a atenção de problemas reais, e conduzem a uma ocupação do tempo que resta livre depois do compulsivo periodo de produção-consumo.
O individuo, cada vez mais integrado num sistema intelectualmente concentracionário, não sente vontade, nem disponibilidade, para meditar, tranquilizar-se e aprofundar conhecimentos que lhe não são fornecidos pelo sistema politico-religioso em que está inserido.
Condicionado de forma não-consciente, actua incorporado num esquema societário de servidão voluntária, tomando decisões e assumindo conceitos que crê serem produto de uma cogitação própria, e que na realidade lhe são sugeridos pelas técnicas de "mind control".

Na Antiguidade, embora sem as sofisticadas técnica actuais, os Estados sempre procuraram influenciar os seus governados, daí que os filósofos se afastassem do bulício das cidades fazendo-se anacoretas, refectindo de acordo com os seus conhecimentos, instintos e emoções.
No "Peri Politeias" ("República"), Platão (através do personagem Sócrates) desenvolve a teoria do "rei-filósofo":
"Enquanto os filósofos não forem reis nas cidades (polis), ou que aqueles que denominamos reis e soberanos não forem verdadeira e seriamente filósofos ; enquanto o poder político e filosófico não se encontrem no mesmo sujeito (…) não cessarão, prezado Glauco, os males das cidades (polis) (…)"
Platão in "Peri Politeias" ("República"), V,474 a

III

Uma das mais importantes tarefas do Homem como "animal racional" é, com base na linguagem, encontrar uma forma política para a sua comunidade, uma organização da "polis" assente na subsidiariedade entre os que a constituem.
Daí que Aristóteles lhe atribiu capacidade "política", e o designou como "animal racional e politico" ("zôon logikon kaï politikon"), ou seja, com competência para organizar e estruturar o governo da comunidade.

Talvez pensando no "rei-filósofo", Juvenalis, nas Satiras X 356, implorava "uma mente sã em corpo são" ("orandum est ut sit mens sana in corpore sano").
Porém, na ausência de tão desejado personagem, que o próprio Platão tentou localizar em três falhadas tentativas (junto dos tiranos de Siracusa), compete-nos a nós, nem reis nem filósofos, encontrar, ou pelo menos tentar encontrar, uma solução de compromisso colectivo no respeito das individualidades, não o que vem sendo tentado com o objectivo de preservar o "poder", o compromisso entre individualidades para impor um colectivo, e que está na origem do Estado omnipresente que todos conhecemos.
Foi esse desvirtuar dos principios que implicou a formação de sociedades, estruturas que albergam individuos, em prejuizo das comunidades, partição de bens, direitos e deveres, entre pessoas com objectivos comuns.
O essencial não passa pela estrutura, seja qual for, mas pelo acto que decide, "hic et nunc", um compromisso entre pessoas solidárias.

Solidariedade que resulta de um desejo de subsidiariedade, de uma necessidade de complementariedade que não se impõem por decreto, mas que são assumidas por consciencialização de uma emoção colectiva.
Emoção provocada pelo instinto de conservação quando estimulado pela possibilidade contrastada do renascimento de uma estrutura efectivamente representativa dos anseios mais profundos de um povo.
Na Europa, vários são os exemplos de "nações" (unidades etno-culturais) que, readquiridos certos direitos de auto-governabilidade (descentralização/desconcentração/autonomia) obtiveram uma melhora considerável nas suas acções económicas e culturais, tal como se verificou (e verifica) em regiões da Itália, Bélgica ou Espanha.

IV

As ideias de "Imperium" foram o grande enterrador das expressões culturais europeias.
Os romanos com os seus entrepostos comerciais difundiram a noção de negócio, convertendo a economia em crematística e secundarizando as linguas autóctonas.
Relembremos que Aristóteles revela em "Os económicos" e na "Ética a Nicómaco" qual a diferença fundamental entre o económico e o crematístico :
- a economia ("oikonomia" - "oikos", casa, e "nomos", administrar), como "administração da casa", e em sentido lato "gestão da cidade", da "polis".
- a crematística (de "khrema", que provém do verbo "khrao", significando ter na mão, possuir), ou "processo de enriquecimento".
Segundo Aristóteles, a acumulação de moeda como objectivo, é uma actividade "contra-natura" que deshumaniza quem nela se envolve e, tal como Platão, condena a usura e a acumulação de riqueza.

Os romanos, além da mitologia, pouco retiveram da cultura grega, copiando, com relativa fidelidade, o que era expressão civilizacional ; quase todo o restante era etrusco.
Com essa falta de produção cultural própria, como assinalaram, entre outros, Ovidio, Juvenal, Virgilio e Cicero (admiradores da cultura grega), o Império de Roma foi paulatinamente cavando a sua própria sepultura, transformando-se cada vez mais numa enorme empresa, dobrada pelo peso da burocracia.

Abraçada às cinzas da Roma imperial, a Igreja actuou estratégicamente na busca de outro "poder político" em que se pudesse amparar, e não hesitou em apoiar a Carlos, mordomo e posteriormente usurpador do trono (com a benção papal) do rei merovingio Theodorico (Thierry IV), e apodado Martel (martelo) pela forma como combateu os sarracenos e os mouros em Poitiers.
O futuro deu-lhe razão, e consguiu o apoio desejado com a subida ao trono de Carlos Magno (Carolus Magnus), filho de Pepino III, o Breve, coroado pelo Papa Leão III, em Roma, como "imperador dos romanos", no dia de Natal do ano 800, que na época correspondia ao 1º dia do ano.
As acções de Carlos Magno, preocupado pela ortodoxia cristã, foram sempre subordinadas às regras dessa doutrina, o que se reflectiu no denominado "renascimento carolingio" ("renovatio"), uma poderosa campanha de aculturação dos povos europeus conduzida por sacerdotes escolhidos pela sua capacidade de impor uma "cultura cristã", tais como o visigodo Theodulf ou o británico Alcuin.
Como paradigma desta ofensiva contra a cultura dos povos europeus distingue-se a campanha contra os saxões (durante 32 anos) que terminou pela conversão forçada ao cristianismo daqueles que tinham sobrevivido aos massacres.
Pelo tratado de Verdun (843) o Império é dividido pelos três netos de Carolus Magnus, iniciando-se o seu despedaçar em feudos senhoriais, apesar das tentativas de reconstrução de um Império europeu pelos soberanos do "Santo-Império Romano Germánico" de Oton I em 952, até Carlos Quinto, no século XVI, e mais tarde por Napoleão, um militar imposto pela maçonaria com o mesmo propósito.
As "unidades etno-culturais", despedaçadas pelo "renovatio" de Carlos Magnus e seus seguidores, com o activo apoio da Igreja, sofre uma nova investida com Francisco 1º através do "ordenamento de Villers-Cotterêts", em 1539, que dá origem aos denominados "Estado-Nação", uma preversa forma de amalgamar povos diferentes (e culturas diversas) no seio de uma fictícia unidade que está na origem dos actuais "países" europeus.
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continua para (2/2)

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