raciocínio critico
vs
raciocínio crédulo
A perspectiva religiosa de uma qualquer cultura é um dos aspectos mais determinantes dessa mesma cultura, ao mesmo nível da imagem que cada um se constrói da História que nos dizem ser o refexo de acontecimentos vividos pelos nossos antepassados, pelas gerações que mais recentemente nos antecederam e, até, por nós mesmos.
Debater temas que irrompem "a intangibilidade das doutrinas religiosas" ou versam sobre "acontecimentos históricos duvidosos", é abrir o alçapão dos dogmas, enfrentar-se às acusações de heresia e às desqualificações dos construtores da História "oficial".
No entanto, coerente com o principio de que "sem movimento não existe mudança", considero ser fundamental calcorrear metafóricamente o complexo percurso que nos permita compreender os processos de razoamento que utiliza o "Homo sapiens" para, desde as suas mais profundas convicções, afirmar com o mesmo entusiasmo, ou a certeza do reino dos deuses, ou a convicção da república dos humanos.
Na defesa das suas conclusões, os primeiros designam os segundos por irracionais, denominação que os segundos devolvem aos primeiros com o mesmo acutilante desprezo. E, certos da sua verdade, uns interrogam-se metafísicamente sobre o sexo dos anjos, enquanto os outros induzem sobre quem nasceu primeiro, se o ovo ou se a galinha !
Entre o racionalismo do "Aufklärung" e o romantismo do "Sturm und Drang", lançamos âncora perante a fórmula kantiana do "Sapere Aude". Decididamente, "ousaremos saber" !
E a ousadia leva-nos a enfrentar "gregos e troianos", "montéquios e capuletos" e afirmar que, agrade ou não ao já citado "sapiens", todo e qualquer processo mental é racional, ou seja, é realizado através de um processo de razoamento.
Que esse processo siga encaminhamentos diversos, entre o criticismo e a credulidade, ou que seja afectado por alguma patología psíquica, não elimina o facto de que o cérebro humano processa saberes e conhecimentos no contexto de uma capacidade genética e de um meio social.
Assim que, o cérebro humano, dentro dos limites que antes referimos, processa "sempre" de forma racional, sendo a "irracionalidade do ser-humano" um atributo somente utilizado em foro discursivo como desqualificação.
Aplicadas ao Homem, "irracionalidade" e "inconsciência" são noções vazias de conteúdo ciêntifico !
Por outro lado, o que caracteriza o processamento racional é, entre os dois "formatos" consagrados (criticismo e credulidade), a miríade de encaminhamentos, diversificados por razões endógenas ou exógenas, uns mais próximos da aceitação crédula e outros da dúvida metódica.
Não confundamos, porém, "criticismo" com "cepticismo", a "mente critica" (do gr. "kritikós", "que discerne") não aceita uma asserção sem se interrogar sobre o "valor racional" da mesma, nem se interrompe pretendendo ter chegado a uma "verdade absoluta", enquanto a "mente céptica" visa a "ataraxia", a tranquilidade para Demócrito, ou a felicidade ("hêdonê) para estóicos, epicuristas e cépticos.
Salvaguardamos, e revindicamos, o "cepticismo" que referia Diogenes Laercio (séc. III EP) e que colocava a sua origem no pensamento dos "sete sábios", de que encontramos exemplo na famosa locução de Khilon de Lacedemónia (Esparta) :
"Conhece-te a ti mesmo" ("Gnothi Seauton").
Digamos que (sem nos adentrarmos na "Teoria do Conhecimento" de Kant) o "criticismo" permite ultrapassar a oposição "empirismo/racionalismo", postulando que se o "ser-humano" não pode conhecer a verdade das coisas "em si" ("númeno"), pode conhecer a verdade do que elas são "por si" ("fenómeno").
O "criticismo" (despido da metafísica kantiana) exige de nós, analise, dúvida, apreciação, discernimento, valoração, julgamento e reflexão, afirmando-se (sem se confundir com o "zetetismo") como uma "arte da dúvida" !
Sendo a curiosidade e a dúvida duas consequências da racionalidade humana, são também causas de processos de razoamento profundamente diversos.
Com efeito, sendo ambas "algo de insuportável" para a mente humana, que procurará satisfazer a ânsia de resposta por todos os meios de que dispõe, na realidade "curiosidade" e "dúvida" são basicamente diferentes na forma de estruturar a questão.
A curiosidade manifesta-se perante um desconhecimento e procura uma satisfação imediata, recorrendo a esquemas culturais simples ; é habitual o recurso à opinião de individuos ou meios que se reputam credíveis.
A dúvida é uma fase mais evoluida da curiosidade, pois exige uma formulação que recorre a esquemas culturais complexos ; não se conforma com a opinião ("doxa") exigindo uma argumentação que pareça razoável num contexto de conhecimentos adquiridos.
Se a curiosidade, habitualmente, se esclarece no meio social envolvente, ficando a informação limitada às "verdades" difundidas pelo sistema politico-religioso vigente, a dúvida obriga à procura de uma solução satisfatória.
Tenhamos presente que o processo de satisfação da curiosidade, quaisquer que sejam os saberes técnicos do individuo, resulta de uma determinação fundamentada "no menor esforço" e "na certeza" de obter a "boa resposta" !
Independentemente da validez da resposta obtida, insere-se num processo de raciocinio crédulo, capaz de se satisfazer com respostas que somente transferem o desconhecimento para outra área, ou para o âmbito de "certezas" previamente aceites.
A satisfação da curiosidade insere-se pois, num proceso de raciocinio que denomino "crédulo", porque se fundamenta numa questão formulada de maneira "incipiente", que se satisfaz com uma resposta de circunstância, enquanto a dúvida, pela forma complexa em que se estrutura e pela exigência de uma resposta não baseada em alegorias ou transcendências, insere-se num proceso de raciocinio que denomino "critico".
No "ser-humano", as caracteristicas congénitas e o meio social são os determinantes do desenvolvimento de processos de razoamento "crédulos" e/ou "criticos", coexistindo os dois e, circunstancialmente, impondo-se um a outro.
Porém, a partir de determinado momento (variável pela idade e pelo "tipo" de vivência) cada indivíduo adquire uma "tendência racional" ("crédula" ou "critica") que se manifestará na sua vivência cultural (social, politica ou religiosa).
Nos processamentos fundamentados em "verdades não discutíveis" (dogmas), como as questões de fé, o encaminhamento seguido pela mente segue um esquema mais próximo da credulidade (aceitar sem contraste) que do criticismo (aquilatar solução).
Mas, o razoamento crédulo não está somente presente no âmbito das doutrinas religiosas, do divinamente transcendente, e dele temos reflexo em comportamentos aparentemente mais anódinos, em situações quotidianas de diálogo informal ou na interpretação de noticias divulgadas pelos meios de informação do "sistema politico".
Na análise de casos de manipulação psicológica é considerado paradigmático o sucedido em 11 de Setembro de 2001 nos Estados Unidos, mais precisamente a explosão verificada no edificio do Pentágono.
As fotografias do local, à chegada dos socorros, mostram uma fachada do edificio em fogo, que se desmorona passados cerca de 30 minutos e, no relvado em frente, nada mais se vê que os veículos dos bombeiros !
Pois bem, a versão official diz que nesse local um avião Boeing 767 chocou com o edificio, penetrando nele e provocando uma terrivel explosão.
Um processo de raciocinio crédulo aceita a explicação e não formula qualquer dúvida, exceptuando (talvez) a curiosidade mórbida de saber se houve vitimas !
Um raciocinio critico interrogar-se-ia perante a dúvida de como e por onde teria passado o avião se depois do choque a fachada estava ainda no seu lugar ?
Recordemos que um Boeing 767 tem 61.40 m de comprimento, 51.90 m de largura de asas, 16,90 m de altura e um peso, em vazio, de 100 toneladas.
Obviamente que estamos perante uma mentira, mas o processamento do tipo "raciocinio crédulo" presente nos hábitos do meio familiar, na escola (cada vez mais orientada à memorização), no condicionamento dos meios de comunicação, difícilmente poderá por em causa o condicionamento e concluir outra coisa além de que "o avião estava lá" !
Observa-se o mesmo fenómeno em concentrações misticas quando o "guru" diz estar a ver o Sol aos quadradinhos ou os cavaleiros do Apocalipse, pois a sugestão vivida influi no processo de raciocinio e o crente "também vê" !
A manipulação pelo medo, hoje colocada em voga pelo "sistema politico mundial" ("Nova Ordem Mundial"), tem evidentes efeitos de adormecimento, de receio interiorizado, que torna as pessoas, involuntariamente, muito menos disponíveis para actos de protesto social, e até de desenvolvimento de processos criticos.
Etienne de La Boëtie denominava a circunstância como "servidão voluntária" !
Cada um aceita a sua dependência como um "fatum", como um determinismo "religioso".
O raciocinio crédulo é de tal forma condicionante que, no campo politico, compartimenta a busca por soluções alternativas, enclausura os grupos de discussão em sistemas de seitas, cada uma com a sua verdade eterna e absoluta, enquanto o "sistema politico", consciente da situação (que ele mesmo alimenta) vai usufruindo de uma realidade que lhe é favorável.
Não nos devemos surpreender, quando encontramos homens e mulheres plenos de saberes, licenciaturas, doutoramentos e outros "honoris causa" desenvolverem raciocinios que surpreendem pela sua "barroca" (para não dizer "bacoca") simplicidade ! Defensores de "verdades indiscutíveis", altivos propaladores "ex-catedra", eméritos trianguladores de circulos… mas, vazios, ocos de qualquer capacidade critica.
Um dos graves problemas do ensino de hoje é confundir poder de memorização com inteligência, e consequentemente despeitar a análise critica em prol da aceitação bovina.
Uma das bases para a estruturação do "homem nacionalista", é ensina-lo a raciocinar de forma critica, a saber ler um texto ou interpretar uma imagem, no contexto de uma ética e de uma estética suficientemente consolidadas num "corpus cultural" que é muito mais do que uma moda, uma teoria politica ou um passatempo !
"Revoltar-se contre a influência da sociedade exige uma revolta, pelo menos em parte, contra si mesmo ; nisso consiste o momento mais dificil da liberdade".
Eduardo Colombo in "O Estado como paradigma de poder".
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