terça-feira, 10 de julho de 2007

Sistema Oligárquico e Regime Democrático ( VI )


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Comunidade
vs.
Estado…
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É a teorização da política como acto de Estado que provoca a institucionalização da luta pelo controlo desse mesmo Estado.
Para Maquiavel (Niccolò Machiavelli 1469-1527), fazendo abstracção da motivação de certos intervenientes, a acção política reduz-se à luta pela conquista do poder, o que traduzia já uma realidade política que se tem acentuado.
Porém, como vimos, a política "não é", por definição, um sinónimo de luta pelo poder, mas sim o conjunto dos actos de governabilidade, um conjunto de medidas sociais dirigidas a diversas finalidades e aplicadas com um certo grau de coercitividade (um dos critérios do "facto social" segundo Durkheim).

A luta pelo poder inicia-se quando poder politico e aquisição de riqueza se complementam.
Na Antiguidade, a aristocracia (de "aristos", os melhores) fundamentava-se numa noção de honra ("timé") que impedia a "hubris" (ou "hybris"), a desmesura e o consequente enriquecimento excesivo.

Com o desenvolvimento do comércio, por contactos com os povos semitas do Médio-Oriente (principalmente fenícios), as classes menos cultas, e consequentemente menos influenciadas por conceitos filosóficos de moderação, de repartição equitativa ("némesis"), lançam-se decididamente numa via de obtenção de riquezas, com o único objectivo de desfrutar delas, e não de melhorar as condições gerais da comunidade.

Quando, no seio da "aristocracia" ou no seu perímetro de influência, alguém rompe o respeito ético pela "moderação" e se lança (como "tirano") na via do enriquecimento egoísta, rapidamente constata que poderá obter um apoio "interessado e ilimitado" das classes mais populares, e menos cultas.
Estava aberta a via para a democracia, obtendo demagógicamente o amparo e o assentimento dos que viam no enriquecimento desmesurado (relativamente ao que já possuiam) o seu objectivo vivencial.

A nova classe de comerciantes, enriquecidos e ignorantes, foram o grande apoio da oligarquia que constatou a importância da sua colaboração. A comunidade perdeu gradualmente a sua base de solidariedade, comprometendo-se em relações de valores materiais, provocando o esvaecimento das relações assentes em valores éticos.
A economia ("oikonomia") cedeu perante a crematística (de "khréma", possessão de riqueza), e a "aristocracia" perante a democracia".

O conceito de crematística foi desenvolvido por Aristóteles (384-322 EP) , que designava a "hubris" como "ultraje", como refere na obra "Ëtica a Nicómaco", dirigida a seu filho.
Para Aristóteles, o Homem éticamente bom é aquele que realiza convenientemente a sua função, a sua finalidade ("télos"). Para um devir plenamente humano, o Homem deve desenvolver o que o faz ser reconhecido como fazendo parte da comunidade dos humanos, afastado da especulação e da desmesura.

Se atendermos aos escritos de Tomás de Aquino (1225-1274 EA) constatamos que ainda na Idade Média era proibido aos cristãos a prática da usura, largamente utilizada pelos judeus (que não estavam submetidos a essa regra ética), e que era aproveitada pelos monarcas, obcecados pelos dogmas cristãos, mas largamente condescendentes com esses propósitos quando praticados em proveito próprio.
Notemos, e.g., na época do rei-usurpador Alfonso Anriques, protegido do sefardita Egas Moniz, a actividade crematística do judeu Jachia Ibn Jaisch foi considerável para os cofres da monarquia de então. Aliás, a monarquia portuguesa, temente aos pecados da usura, nunca deixou de aproveitar os que beneficiavam de uma doutrina religiosa absolutamente tolerante com esses processos ; e como a mesma mentalidade era usual nas restantes monarquias europeias (e até no seio da Igreja apostólica romana) não será surpresa as fantásticas fortunas acumuladas no seio do "povo eleito", e que tão transcendente influência tem tido na História da Europa, desde o fim do Império de Roma até à actualidade.

A aplicação da ideologia democrática no seio dos sistemas políticos tem duas finalidades principais :
1. interessar os mais diversos indivíduos num objectivo material directamente implicado no bem-estar por em cima de qualquer preocupação ética ou cultural ; fundamenta-se na exacerbação dos instintos mais básicos e no egoismo face à solidariedade.
2. manter os povos amalgamados em populações, e estas concentradas em urbes asociais e inseguras, por forma a manipula-los pelo medo, pela desinformação e pela compulsão ao consumo, e assim assegurar-se da perenidade do poder.

A existência da lei escrita é originária do "tirano" Dracon, mais de um século antes da "democracia de Clístenes", a reforma agrária, a reforma censitária, a constituição do Conselho dos Quatrocentos para discutir as propostas provindas do povo, e a possibilidade de recorrer uma sentença considerada iníqua, são obra de Sólon, também anterior a Clístenes.

O que a democracia trouxe de fundamentalmente novo resume-se em dois conceitos : demagogia e partidos políticos.

Se as primeiras experiências de democracia na Antiguidade Grega, e também da República Romana, não comportavam ainda os partidos políticos, pelo menos na sua formatação actual que somente se manifesta no século XIX, porém, na democracia actual, os partidos políticos não somente aparecem como elementos indispensáveis ao sistema político, como a sua participação se vai tornando hegemónica.

A partidocracia é uma forma de Estado pela qual as oligarquías partidárias assumem o poder politico concedendo ao "individuo eleitor", alienado e submisso, o direito de ser representado por "professionais da política", por aqueles que se dizem capazes de resolver os problemas sociais e que disso logram convence-lo.

Em partidocracia os actores principais e únicos do panorama político são os grandes partidos políticos com maioria absoluta, ou em coligação com outros partidos minoritários, que vão assumindo o poder, por turnos, seguindo um ciclo que passa por três etapas :
1ª triunfo eleitoral, 2ª desgaste, corrupção e progressivo afastamento dos eleitores, e 3ª esgotamento e substituição por outro partido com maioria absoluta ou em coligação de partidos. O ciclo volta a repetir-se com os novos ganhadores. E assim "ad infinitum".

A única alternativa ao poder omnímodo dos partidos e coligações eleitorais é a criação de uma sociedade civil forte, sólida, bem organizada e independente dos poderes públicos.
A verdadeira sociedade civil defende os interesses reais dos sujeitos (urbanos e rurais), enquanto os partidos e coligações actuam em defesa própria e da sua permanência no poder.

A sociedade civil está formada por um conjunto de organizações, associações, foros, plataformas cidadãs, fundações e instituições cívicas voluntárias que formam a base de uma sociedade activa, em oposição as estruturas do Estado, das grandes empresas, do entramado financeiro e dos "domesticados" meios de informação.

Os partidos passam a assumir um crescente controlo sobre o exercício da representação popular, submetendo os demagógicamente denominados "representantes do povo" a uma rígida disciplina partidária. Se não aceitam as regras do jogo partidário, são expulsos ou marginalizados.
Deste modo o "regime democrático" converte o Estado num permanente desafío entre partidos, que recorrem ao ingénuo "eleitor-pagador de impostos" para desempatar as suas desavenças "caseiras", pois o "realmente importante" nunca o "sistema politico" deixará ao alcance de discussões públicas.

Delegar o nosso poder de decisão naqueles que utilizam um eleitorado conformista e acrítico para chegar ao poder, é proporcionar aos partidos políticos a defesa dos seus própios interesses, pessoais e de grupo.

Confrontados com um Estado que é mero instrumento de uma ideologia imposta por um "sistema politico" invisível, através de um "regime" demagógico e intolerante, cremos que a "sociedade civil", como contrapartida ao poder politico instituido através do Estado partidocrático, poderá constituir-se como fenómeno esclarecedor e fundamentar uma linha programática de projecto nacionalista anti-democrático.

A Comunidade pode vencer o Estado, e consequentemente derrubar o castelo de cartas arquitectado pelo "sistema politico", abrindo uma nova via, uma nova esperança, às nações, aos povos e aos individuos… a todos nós !

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