domingo, 24 de junho de 2007

Sistema Oligárquico e Regime Democrático ( IV )





diz-nos
a constatação dos factos…
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Pretende o precedente despretencioso resumo histórico, assim como a transcrição de alguns textos de pensadores da Antiguidade grega, aclarar genéricamente o que foram, na realidade, os 170 anos de "democracia" na Grécia Antiga.
Uma experiência perversa de controlo dos individuos em benefício de "grupos de poder", uma experiência que falhou, mas que criou escola.
E muitos séculos depois… cá a temos de novo.
A memória humana é curta, e os demagogos de hoje são muito mais poderosos e pérfidos que os atenienses de então.

Podemos concluir, perante o testemunho da História, e não das histórias que nos contam, que :

1.
não existiu nunca nenhuma reflexão filosófica nem teorização política para o "facto democrático", e o seu iniciador (Clístenes) actuou em benefício próprio (da sua pretensão política) quando aliou o povo ("demos") às instituições políticas ("politeia") através da sua própria "hetaireia" (grupo político)..

2.
a "democracia" nunca foi mais que um "regime" actuante dentro de um "sistema político", uma estruturação do Estado adaptada a uma concepção ("ideologia") imposta pelo "grupo de poder" em funções (aristocracia, tirania ou oligarquia).

3.
a "democracia" nunca actuou objectivamente em beneficio do povo mas, utilizando a credulidade e a ignorância deste, em beneficio dos políticos profissionais ("demagogos") que lutavam pela manutenção das suas prerrogativas de poder no contexto de grupos partidários.

4.
as benesses, os subsidios, os subornos, etc, sempre constituiram um meio ("suborno e corrupção") de conseguir apoiantes para os objectivos do "sistema político".

5.
o regime democrático teve o apoio do povo ("demos"), em certo momento desbordante de exigências ("oclocracia"), enquanto houve beneficios económicos (crematísticos) para distribuir. A distribuição do sobrante enriquecimento do "grupo de poder" era suficiente para manter o "demos" num estado de "servidão voluntaria". O apoio foi-se desvanecendo à medida que os "negócios" se tornaram menos activos, diminuindo o fluxo de riqueza.
A monumentalidade das edificações, ou o "bem-estar" material de Atenas no "século de ouro", deve-se a circunstâncias militares de carácter económico-colonialista (imperialismo ateniense) e da capacidade de chefia de Péricles, nunca dependendo do tipo de regime em funções.
Não esqueçamos que o "grande Péricles" foi condenado "à desonra" pelos próprios atenienses…

6.
a permissividade do "regime democrático" provocou o descalabro social, a nivel da cidade, da familia e do individuo ; através dessa ilimitada tolerância o "sistema politico" controlava facilmente qualquer assomo de crítica, fazendo com que os demagogos conduzissem actuações populares contra esses "inimigos do bem e da tranquilidade do povo" (um discurso bem conhecido…).

7.
quando se tornaram conscientes do desastre que o "regime democrático", criador de um Estado "demagógico", tinha causado à sua comunidade, os próprios atenienses aplicaram-lhe uma espécie de "irradicação da memória" ("damnatio memoriae"), principalmente ao seu fundador Clistenes, de quem não ficou para a História nem um só documento contemporâneo sobre os seus actos.
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comentário
Constatamos pois, que a imagem dada pelos políticos, e respectivos "satélites" pseudo-intelectuais, sobre a "democracia" é já um fruto do processo demagógico que a envolve.
O regime democrático é uma organização do Estado concebida de forma preversa, aleivosa e pérfida, orientada à consecução de um projecto político da classe dirigente e executada numa base demagógica e manipuladora.
Através do "regime democrático", a servidão voluntária é a resposta pretendida pelo "sistema politico".
Individuos satisfeitos com o "panem et circenses", ignorantes ou especializados em conhecimentos fragmentários que não lhes permitem uma perspectiva filosófica do "pluriversum" envolvente.
Ocupação permanente, ambiente ruidoso, insegurança, manipulação informativa… elementos que faltaram à "democracia" da Antiguidade, e utilizados à saciedade na "democracia" que vivemos.

Sabemos quão utópico é, esperar que uma maioria seja consciente da falácia democrática…
Mas, será possivel reunir num projecto comum todos aqueles que já se aperceberam que o termo democracia traduz um objectivo Estatal, imposto por um "sistema politico" oligárquico, fundamentado na demagogia de uma série de títeres remunerados e subvencionados para actuar contra o interesse legitimo dos povos ?
Um projecto em que cada um se liberte do seu egoismo, em que cada um dispa o uniforme das suas certezas absolutas, em que cada um deixe à porta os seus hinos e as suas bandeiras, e se dedique (humildemente) a aprender o que a História nos revela, e a aplicar um raciocinio critico às virtualidades que nos são apresentadas como verdades dogmáticas.
A única possibilidade de ser livre passa pela nossa própria libertação dos conceitos e hábitos que os manipuladores nos incutem.
Cada um de nós, perante as gerações futuras, será julgado pelos seus actos, não pelas suas intenções !

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Sistema Oligárquico e Regime Democrático ( III )


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dizem-nos
os pensadores

da Antiguidade…


Vejamos o que nos dizem alguns pensadores gregos sobre o regime democrático :

1. Eurípedes (Euripídês 480-406 EP)
A cidade que me envia não é conduzida pela multidão, mas depende de um só homem ; ela não tem oradores que a exaltem, e a movam em todos os sentidos ao capricho dos seus próprios interesses.
in "As suplicantes" ("Hikétides") em 414 EP.

2. Tucídedes (Thoukudídês 471-400 EP)
Péricles tinha obtido uma autoridade que lhe permitia conter o povo respeitando a sua liberdade.
[...] Teoricamente o povo era soberano, mas na realidade o Estado era governado pelo primeiro cidadão da cidade.
in "Guerra do Peloponeso", II, 65.

3. Platão (Aristoclès aliás Plátôn 427-348 EP)
… o pai habitua-se ao dever de tratar o seu filho de igual para igual e a teme-lo, o filho iguala-se ao pai, não tem vergonha de nada e não teme os seus pais, porque quer ser livre ; o meteco (estrangeiro residente) iguala-se ao cidadão e o cidadão ao meteco, e o mesmo para o estrangeiro (não residente).
(…)
A tudo isto, acrescentem-se outros inconvenientes : o professor, em certo caso, teme os seus alunos e lisonjea-os, os alunos não têm respeito pelos professores, nem por todos aqueles que deles se ocupam ; e, para tudo dizer, os jovens imitam os mais velhos e opõem-se a eles em palavras e actos, enquanto os mais velhos se rebaixam ao nivel dos jovens, manifestando-se através de truanices e brincadeiras, imitando-os para não parecer desagradáveis e despóticos.
in "Republica", VIII, 563a-563b

Um chama-lhe democracia, outro denomina-a como mais lhe convém, mas em verdade é uma aristocracia com o consentimento do povo.
in "Menexenos", 238 c (frase incluida numa oração fúnebre - "epitaphios logos")

4. Aristóteles (Aristotelês aliás "o estagirita" 384-322 EP)
Esta democracia é, no seu género, o que a a tirania é à realeza. De uma parte e da outra, os mesmos vicios, a mesma opressão dos bons cidadãos : aqui os decretos, ali as ordens arbitrárias.
Além de que o demagogo e o bajulador têm uma semelhança chocante.
Os dois têm um crédito sem limites, um sobre o tirano, o outro sobre o povo por ele corrompido.

in "Política", VI, XIII

5. Políbio (Polúbios 210-126 EP)
O povo ateniense sempre se assemelhou a um navio.
Enquanto os que estão a bordo receiam a tempestade ameaçadora, todos concordam em obedecer ao piloto e cumprir com os seus deveres ; mas quando já não têm medo, desprezam os que os comandam e enfrentam-se a eles, pois têm pontos de vista diferentes.
Uns querem prosseguir a viagem, outros querem forçar o piloto a rumar a terra. ; uns abrem velas ao vento, e outros ordenam que as recolham.
As suas disputas são um espectáculo vergonhoso para aqueles que os observam do exterior e põem em perigo a sua própria segurança.
in "História", VI, 44.
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comentário
Desde os contemporâneos do regime democrático as críticas sempre foram rotundas e acerbas.
Era claro que o sistema politico (tirania, aristocracia ou oligarquia) utilizava a democracia como forma preversa de manter o poder criando a ilusão de que era o povo ou, nas palavras de Políbio, a multidão quem governava ("oclocracia").
O regime democrático não iniciou a "lei escrita", existente desde os tempos de Drácon, nem foi precursor da legitimização da Justiça, desenvolvida por Drácon e Sólon, nem "inventou" a toma de decisões por votação, já existente (em casos concretos) desde os sumérios e os fenicios.
Onde a democracia foi inovadora, relaciona-se com o propósito demagógico, com a manipulação dos individuos para propósitos objectivamente dirigidos ao enriquecimento dos grupos de poder e à manutenção desse mesmo poder.
Porém, os processos de coacção mental eram rudimentares e os propósitos não poderam afirmar-se. Se a essa instabilidade no controlo do poder aliarmos a quebra do enriquecimento, por razões relacionadas com a inexistencia de um poder financeiro independente das transacções comerciais, encontramos as causas que fundamentaram o esvaecimento do regime.

Posteriormente, havendo solucionado os dois citados impedimentos, pelas técnicas psicológicas, pela tecnología electrónica e pelo controlo mundial dos meios de capitalização, uma poderosa oligarquia apoderou-se do poder e permite, localmente, o seu exercicio a grupos políticos ("partidos políticos") que mais não são, a seu nivel respectivo, que funcionários de um poder mundial ("Novos Ordo Seclorum").
A nível de cada país, enfrentamos uns escolhos (partidos, governo e Estado) que não passam de um aglomerado de títeres directamente interessados na manutenção do seu "status quo", e indirectamente, mas objectivamente (apesar de muitas vezes sem consciência do facto), servos de um tentacular poder.
Um poder omnipresente nos cometimentos sociais, económicos, politicos e religiosos de cada um de nós, e que por ele somos considerados como um simples "eleitor-pagador de impostos", um peão no tabuleiro de xadrez universal.
Mas, não esqueçamos que um peão "promovido" pode dar "cheque-mate". A nós de nos promovermos !

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Sistema Oligárquico e Regime Democrático ! ( II )




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diz-nos a História…
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Drácon (Drákôn) foi um legislador ateniense do século VII EP, ("Era Precedente", ou Era que precede a "Era Actual" - EA) pertencente à classe dos Eupatridas ("Eupatrídai", "bem nascidos"), familias nobres de Atenas que gozavam de direitos políticos e religiosos exclusivos que, segundo a tradição, lhes tinham sido concedidos por Teseu, um mitológico rei de Atenas.
Na sua prerrogativa de "arconte epónimo", carácter honorífico do "arconte" (do gr. "árkhontes", de "árkhô","ser o chefe") uma função com importantes poderes judiciais e políticos, que como magistrado dava o nome ao ano em curso, Drácon (em 621 EP) legisla as primeiras leis escritas da cidade, as "thesmoi". E, para que ninguém as ignorasse, afixa-as sobre painéis de madeira e sobre estelas em forma de bétilo (pedra sagrada).
Essas leis apresentavam, essencialmente, duas inovações importantes:
- as leis passam a ser escritas e dadas ao conhecimento de todos aqueles que soubessem ler, em vez de orais e divulgadas (sujeitas a interpretação) por alguns ;
- a lei sobre o homicidio estabelece a distinção entre "assassinato" (acto voluntário) e "homicidio" (acto involuntário).
Segundo o historiador Eberhard Ruschenbush (Historia, IX, 1960, p 129-154), a pretensa "constituição" elaborada por Drácon, e exposta na "Athénaîon Politeia" de Aristóteles, é maioritariamente apócrifa, mas convém notar que a "lei escrita" precede em mais de um século a denominada "democracia ateniense".

No século VI EP, uma grave crise social instala-se em Atenas, principalmente pela falta de "cidadãos", convertidos em escravos dos seus credores pela acumulação de dividas, em aplicação da lei que punia o não cumprimento do "acordo" ("hektemoroi") que obrigava a pagar ao credor 5/6 da produção de um determinado terreno agrícola sobre o qual se havia obtido um empréstimo.
Essa falta de cidadãos, os únicos habitantes da cidade-estado que podiam controlar a aplicação das leis, permitiu uma enorme concentração de poderes nas mãos dos mais ricos e, consequentemente, um desequilibrio social.

Em 593/594 EP o legislador Sólon (640-558 EP) é nomeado "arconte", e empreende uma série de reformas que se iniciam pela "abolição de cargos" ("Seisachtheia") ou anulação de dividas antigas e o regresso à cidadania daqueles que haviam sido considerados escravos por essa causa.
Tenhamos presente que somente é considerado cidadão um homem livre, maior de 18 anos, filho de pai e mãe atenienses (reconhecido pelo pai), e tendo cumprido satisfatoriamente um serviço militar de 2 anos. Ora, com um número reduzido de cidadãos nem a segurança da cidade estava asegurada nem as "ideias de grandeza" (imposição de mercados) dos mais ricos poderiam concretizar-se.
Se posteriormente, na época em que os habitantes de Atenas, entre cidadãos, metecos (estrangeiros) e escravos, rondavam os 200 a 250 mil, o número de cidadãos atingia os 30 a 40 mil, na época de Sólon eram apenas algumas centenas.
Sólon também institui a possibilidade de uma terceira pessoa reclamar justiça em favor de alguém que considera lesado, e o direito de apelo perante um tribunal popular ("Helieia").

No século VIII EP o grego era essencialmente um camponês competente e dedicado, cultivando terras e criando gado, com um certo desprezo pelo mar que não lhe fornecia alimento em quantidades suficientes. Afirmava Hesiodo que o mar era principalmente uma via de transporte e de comércio.
Assim, não será de estranhar o desenvolvimento do comércio internacional com o mar Mediterráneo como cenário, desde as costas do sul europeu, ao norte da África e à Ásia Menor. Os gregos conheciam bem cidades fenícias como Biblos, Sidon e Tiro, mercados onde se traficavam os mais variados produtos e, obviamente, seres humanos.
A classe dirigente grega (aristocracia), cada vez mais interessada no enriquecimento próprio, fomentava o desenvolvimento de prósperas cidades comerciais (Corinto, Megara, Sicione, Egina, Atenas), enquanto as rotas que uniam a Grécia com a Ásia, o Mar Negro e a península Itálica faziam da Grécia o centro de gravidade da economia mundial.
Com o comércio como actividade dominante, a agricultura passa ao segundo plano e as estruturas política e social das "polis" (cidades-Estado) começam a sofrer transformações provocadas pela intensa actividade mercantil.
Os comerciantes seão portadores de uma nova forma de ver o mundo, um mundo em que tudo se compra e tudo se vende, um mundo em que a tudo é atribuível um preço… Enriquecidos pelo negócio, emergem como nova classe, pertendem o dominio politico e fazem uma concorrência feroz à aristocracia, que resiste em compartilhar o poder.
Activos negociantes, os mercaderes gregos trazem das suas viagens novas perspectivas de organização política, mais consentâneas com a actividade comercial como objectivo da "polis" e, por exemplo os atenienses, divulgam as experiências políticas dos comerciantes fenícios que se reuniam em assembleias onde votavam resoluções (de âmbito mercantil).
Uma novidade que acabou sendo entendida como uma forma de desestabilizar o poder aristocrático se utilizada no contexto politico, pois os comerciantes já eram conscientes que, para favorecer os seus negócios, necessitavam controlar o poder politico.
O primeiro passo seria estabelecer uma ordem que proclamasse a "igualdade e capacidade" de todos com o engodo da participação activa do povo ("demos") na política, através do voto, actuação que poderia ser "controlada" considerando a ignorância popular quanto à "grande política" e aos "grandes negócios".

É neste enquadramento que, em 510 EP, Cliomenes 1º, rei de Esparta, expulsa de Atenas o tirano Hippias (por influência do "oráculo de Delfos", subornado pelos seus adversários) sendo o poder assumido por Isagoras, de imediato confrontado com o arconte Clistenes, "Kleisthénês", (570-507 EP) que, segundo Heródotos (484-425 EP), "faz entrar o povo ("demos") no seu grupo politico ("hetaireia") associando-o às instituições e ao governo, aquilo que os antigos gregos denominavam "politeia".
Esta medida, uma acção orientada a um interesse político do próprio Clístenes (e dos comerciantes que o apoiam), modifica profundamente o "status quo" em Atenas e permite-lhe, sem tomar o poder, controlar a "politeia" através do povo ("demos"), seu "sócio" na "hetaireia" (grupo politico).

Em seguida (a partir de 508 EP), faz votar reformas determinantes tais como o princípio de "isonomia" (igualdade de identidade) suprimindo as classes entre cidadãos, e instaura o "ostracismo", lei pela qual um cidadão podia ser expulso da cidade ("polis"), se maioritariamente assim fosse decidido.
Considerando que as votações eram demoradas e cada vez com maior frequência, os cidadãos foram gradualmente optando por fazer-se representar, passando a "vox populi" a ser expressa pelos "demagogos" (de "demos", "o povo", e "ago", "condução" : "os que conduzem o povo"), na aplicação da noção política e retórica da arte de dirigir o povo ("demagogia"), obtendo o acordo deste através de um discurso simplista, ocultando os "matizes" e desnaturando a verdade.

Cimón (em grego "Kímôn" 510-449), homem politico e "estratega" (comandante militar), possuidor de grande fortuna, disponha de um grande apoio popular que Aristóteles (384-322 EP) explicava na "Athênaíôn politeía" ("Constituição de Atenas" - XXVII, 3), uma obra que escreveu conjuntamente com alguns discípulos, pela existência de uma grade fortuna:
"Cimon, que dispunha uma fortuna principesca ("tyrannikên ousian", literalmente "fortuna de tirano")", e pela facilidade com que distribuia bens, "pagando magnificamente as liturgias públicas", mantendo economicamente "muita gente do seu "déme" (local de nascimento)", e deixando as suas propriedades sem protecção para que cada um pudesse retirar os frutos que lhe apetecesse.
Partidário do desenvolvimento de um Império ateniense, estimava não ser necessária a ruptura com Esparta, pois considerava que uma aliança com os espartanos poderia contrabalançar o desenvolvimento de certas ideias democráticas às quais era francamente hostil (o que demonstra o sentido eminentemente demagógico do seu populismo).

Com Péricles (494-429 EP), que assume o poder após o assassinato do seu aliado Efialtes (Ephialtés) e da condenação ao exilio ("ostracismo") de Cimon, Atenas vai atingir o seu apogeu ("o século de ouro" ou "século de Péricles"), mérito de que não devemos separar a capacidade intelectual da sua companheira Aspasía, que se soube rodear de gente iminentemente culta.
No plano internacional, Péricles transforma Atenas numa poderosa potência naval e colonial lutando numa dupla frente, contra os Persas e contra Esparta.
Enquanto houve riqueza os louros cairam sobre o regime político e o seu chefe, porém, chegada a época das "vacas magras", uma parte dos atenienses (conduzida pelos demagogos, entre os quais Cleon), descontente por ter perdido os seus bens quando da incursão espartana na Atica (em 430 EP), promove um processo crime contra ele.

Os juizes consideram-no culpado e condenam-no a uma pesada multa, à suspensão dos direitos cívicos e à "atimia" (deshonra).
Péricles retira-se da vida política, mas é de novo chamado quando uma epidemia de febre tifóide atinge Atenas.
Tendo contraido a doença, morre seis meses depois!
Sobre a importância da democracia nas acções de Péricles, escreve Tucidides na "Guerra do Peloponeso" :
"De nome, a cidade era uma democracia ; na realidade, era o governo do primeiro dos cidadãos".

Cleon, em grego Kléôn, ( ? -422 EP) filho de um rico tanoeiro era um dos principais homens políticos atenienses durante os primeiros anos da Guerra do Peloponeso e os seus primeiros actos conhecidos são dirigidos contra Péricles em 431 e 430 EP.
Após a morte deste último (429 EP) torna-se o político mais influente, principalmente pelos seus dotes oratórios, grandiloquentes e demagógicos.
Era habitual dirigir-se aos atenienses como "habitantes da esplêndida Atenas" ou "Atenienses coroados de violetas"… (Georges Perrot in "L’Éloquence politique judiciaire à Athènes", c. I).
Mas, a sua demagogia não ficava pelas palavras e aumentou o valor do "misthos" (salário) instituido por Péricles para que os cidadãos participassem nas votações. Contudo, analisando a escrita dos "ostraka" (singular "ostrakon"), pedaço de cerámica onde se escrevia o nome da pessoa a exilar (lei do ostracismo) verifica-se que a diversidade é pequena, o que demonstra que somente alguns votavam em nome de uma maioria que estava ausente.
A partir deste poder de representação, os demagogos (condutores do povo) foram afirmando o poder das organizações em que se incorporavam ("hetaireia"), precursores dos partidos políticos.
O historiador Tucidedes (471-400 EP) e o poeta Aristofanes (450–385 EP), foram perseguidos pelo democrata-demagogo Cleon, que conseguiu o exilio do primeiro e a condenação do segundo.
Aristofanes, na sua obra "Os Cavaleiros" (ou as "Lenaia" - festa dionisiaca em Atenas), apresenta Cleon como um arrivista sem educação, violento, vaidoso e concussionário.

O ano de 430 EP marca o início do declinio de Atenas, conjugando a calamitosa luta contra Esparta com uma terrível epidemia de febre tifóide que, inexoravelmente desmoralizou os atenienses e conduziu a cidade ao desastre.
A ocupação de Atenas pelos espartanos trás, em 411 EP, o regresso da tirania através de um golpe político denominado "golpe de Estado dos Quatrocentos", sete anos depois transformado no regime dito dos "Trinta Tiranos", que somente sobrevive até à retirada dos espartanos em 403 EP.

Com a progressiva degradação da economia, da segurança cívica e do comportamento ético, Atenas segue uma rota de colisão com o desastre. Um desastre anunciado denominado Filipe II da Macedónia que, derrotando os atenienses no ano de 338 EP em Queroneia ("Khaironeia" - "a colina"), termina de vez com o regime iniciado por Clístenes em 508 EP.
Cerca de 170 anos durou o regime democrático, de tão má recordação para os atenienses que, por exemplo, da obra de Clístenes, considerado o grande impulsionador desse tipo de regime, das razões da reforma que encetou, do seu contexto e das suas intervenções, somente chegaram até nós testemunhos através de duas fontes que lhe não são contemporáneas, contrariamente à obra de Drácon e de Sólon de que os atenienses preservaram registos.
As leis de Clístenes são inéditas, e ignora-se se foram alguma vez escritas, embora tudo indique que não, o que é um retrocesso relativamente à legislação de Drácon escrita mais de um século antes !
Conhece-se o personagem principalmente por Heródoto (484-425 EP) no seu trabalho "Historíai", V, 66 ("Histórias"; "Inquéritos").
Aristóteles evoca também Clístenes na "Athênaíôn politeía" ("Constituição de Atenas" - XXI), que se inspira principalmente em Heródoto, mas desenvolvendo argumentos explicativos pouco enaltecedores, tanto para o personagem como para a obra realizada.

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Sistema Oligárquico e Regime Democrático ! ( I )



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prolegomena…
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A consciencialisação de que vivemos mentalmente envoltos numa névoa crepuscular, pontuada por fotóforos que pretendem orientar o nosso pensamento para processos crédulos e automatizados, é um acto mental que, simultâneamente, provoca um reflexo de rebelião fundamentado no ressentimento de que somos objecto de uma manipulação psicológica, proveniente do contexto politico em que nos encontramos imersos.

Se a tragédia grega, pelo medo e a piedade representados em cena, provocava a catarse ("kátharsis") como purificação capaz de gerar uma reacção perante o infortúnio, também a consciência da manipulação exercida pelo "sistema politico", através dos meios de comunicação (controlo subjectivo) e das instituições (controlo objectivo), utilizados como câmaras de eco repetindo à saciedade que vivemos num "jardim de Éden", no "nec plus ultra" das convivências possiveis, deve gerar em nós uma purga intelectual capaz de causar as necessárias defesas perante a sistemática agressão a que somos submetidos.

No contexto de um sistema politico oligárquico, essencialmente organizado para fazer-se perdurar, o regime dito "democrático" estruturou um Estado cada vez mais intocável, mais dogmático (verdadeira "teo-democracia"), manipulador do individuo-eleitor através de tecnologias sofisticadas, transmitidas por demagogos profissionais organizados em grupos de interesse denominados "partidos políticos".

O "regime democrático", como estrutura ideológica do "sistema oligárquico", é absolutamente intolerante quanto à critica dos objectivos que persegue, afirmando-se como "solução intocável" e impondo-se como "finalidade sagrada".
Demagogicamente apresenta uma falaciosa hipótese de alternativa, através de um ciclo eleitoral em que a escolha está sempre dependente de uma prévia selecção elaborada pelo próprio sistema.

A pretensa igualdade perante a lei, camufla a redondância legislativa produzida pelos detentores do poder, objectivamente conciliante com o propósito de enriquecimento da oligarquia dominante e da sua afirmação de perenidade !

Na Antiguidade, as comunidades etno-culturais produziam o necessário para satisfazer as suas necessidades, e os ocasionais intercâmbios entre elas baseavam-se na troca de produtos sem objectivo de lucro. Imperava o principio de convivência numa perspectiva de continuidade e reprodução.
Posteriormente, com a hierarquização de funções (sacerdotal, guerreira e produtiva) surge uma organização encarregue de supervisar as acções e o relacionamento entre os membros dessa trifuncionalidade, ou tripartição de funções. Tinha nascido o que poderiamos denominar como "proto-Estado", um "braço" executivo orientado à defesa da comunidade e à vigilância do cumprimento de tradições e costumes, dependente de um monarca (de um rei-filósofo no dizer de Platão).
Na Idade Média ainda era evidente a divisão social entre "oratores" (os que oram - clero), "bellatores" (os que combatem - nobreza) e "laboratores" (os que produzem - artesãos e agricultores).

Com o desenvolvimento das guerras, já não simples "incursões rápidas" de saqueio ou vingança, mas actos estratégicos para conseguir matérias-primas e mercados, passou o objectivo prioritário do Estado a ser o seu próprio enriquecimento (daqueles que o constituem) em prejuizo e perda do relacionamento comunitário que caracterizava os agrupamentos étnicos e culturais. Os frutos do labor produtivo transmutam-se em mercadorias e a economia (do gr. "oikonomia", de "oikos" - casa, familia - e "nome" - gestão) assume a forma preversa de crematística (do gr. "khrema", riqueza; acumulação de riqueza). A usura cria dinheiro a partir de dinheiro, nada produzindo !
Aristóteles trata a crematística como um conjunto de astúcias e estratégias para obter riquezas destinadas a facilitar o crescimento do poder político que vai gerar novas riquezas.

Os "sistemas políticos" (monarquias, tiranias, oligarquias…) vão-se sucedendo, impondo "regimes políticos" variados, mas todos eles objectivamente orientados ao enriquecimento dos grupos dirigentes, utilizando de forma mais ou menos demagógica os povos e as populações para alcançar os seus objectivos. Propósito que se mantém na actualidade !

Tenhamos presente que (desde finais do século XX), em cada ano e a nível mundial, o valor financeiro transaccionado é muito superior ao volume de negócios comerciais realizados.
Se analisarmos as contas das "instituições de usura" (vulgarmente apelidadas "bancos"), verificaremos que é materialmente impossível, com as despesas e custos funcionais apresentados, gerar tão fabulosos ganhos somente com as comissões cobradas aos clientes.
Se fosse divulgado que os "bancos" estão autorizados a somente reter 20% do capital nele depositado (remunerado de 2% a 20%, conforme o "peso" do cliente) e que o restante é aplicado em mercados financeiros que geram lucros anuais fabulosamente elevados, talvez o imbróglio político-financeiro fosse melhor entendido. Mas, isso é outra história…

As grandes empresas transcontinentais geram lucros fabulosos, não pela venda dos produtos que fabricam, mas pelas aplicações nos citados mercados financeiros que geram uma massa monetária virtual (dinheiro electrónico) sem qualquer suporte real.
Nessas empresas, a produção industrial tem, essencialmente, duas finalidades:
- pelo salário, permitir aos individuos um acesso fácil à alimentação e ao bem-estar material ;
- pela produção, abastecer o mercado e manter o individuo integrado num ciclo de trabalho especializado e alienante ;

O sector comercial permite um consumismo compulsivo gerado pelas "modas" criadoras de falsas necessidades, enquanto o sector serviços gestiona toda uma complexa burocracia essencialmente dirigida a aprovisionar os cofres do Estado.
Os meios de comunicação actuam como sensores da opinião pública, difusores das "modas" e divulgadores da "propaganda" política do regime.

Toda esta panóplia de acumulação de riquezas e de consequente subordinação do individuo aos circuitos estruturados pelo "sistema político", transformando-o num "servo voluntário", agradecido pelo "panem" e distraido pelo "circenses", intelectualmente especializado e culturalmente alienado, foi originalmente "testado" (com os parcos meios da época) no governo da "demokratia" ateniense, cerca do século V da Era Precedente (EP).
A própria denominação de "demokratia" (do gr. "demos", povo e "kratos", poder), o "poder do povo" é já, por si mesmo, um "chef d'oeuvre" da mais grosseira demagogia. Como se a aristocracia no poder, o fosse entregar, de mão beijada, aos individuos menos preparados para o exercer…

A manobra política da aristocracia foi inteligente, mas não resultou ! Ao discurso demagógico faltavam técnicas psicológicas ainda desconhecidas.
Porém, a "experiência" não caiu em "saco roto" e, gradualmente foi sendo adaptada às circunstâncias de cada época, tendo atingido no presente um grau de perversidade nunca igualado, principalmente devido à aplicação de novas tecnologías e do desenvolvimento de sofisticados processos de manipulação da mente ("mind control").

A democracia é um produto histórico que provocou o rompimento da comunidade original, transmutando as qualidades humanas do individuo em vicios egoístas, e a administração do "oikos" (casa, familia, e por extensão a "polis") em usura e acumulação de bens ("hybris").
A democracia, como forma de governo do regime oligárquico que padecemos, é uma imensa falácia suscitadora de um utópico "poder de decidir" através de um "ciclo de selecção" (eleições) que, demagógicamente, produz a ilusão de "livre-arbítrio" ("libero arbitrio") quando, na realidade, mais não é que um processo determinista na nomeação de uma "mínima escolha" imposta pelo próprio regime que, obviamente, interdita qualquer veleidade que sugira a sua substituição.

A democracia tem como objectivo transcendente a preservação do regime oligárquico que a suporta, e o seu incontrolado enriquecimento.
O individuo, embevecido pela hipótese de votar, não é mais que um meio para consecução de designios que o excedem.

domingo, 17 de junho de 2007

Sistema Oligárquico e Regime Democrático !




"democracia"
um anzol para incautos …
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Subordinados ao titulo "Sistema oligárquico e Regime democrático !"
publicaremos durante os meses de Junho e Julho os seguintes artigos:

dia 18/06
( I ) prolegomena…

dia 20/06
( II ) diz-nos a História…

dia 22/06
( III ) dizem-nos os pensadores da Antiguidade…

dia 24/06
( IV ) diz-nos a constatação dos factos…

dia 05/07
( V ) do Sistema e do Regime…

dia 10/07
( VI ) Comunidade vs. Estado…

nota:
criticas e comentários poderão ser incluidos na "caixa de comentários" de cada artigo
ou
enviados pelo "e:mail" : prometheus@dublin.com

comentário
--> reflexão e diálogo são peças fundamentais no levantamento da estrutura cultural que nos permitirá antever uma vivência mais de acorde com os nossos anseios de subsidiariedade nos âmbitos nacionais e europeu, como consequência do afastamento da oligarquia parasitária e corrupta que detém o poder.